sexta-feira, 14 de outubro de 2011

QUE INFÂNCIA VOCÊ CONHECE?

Tenho vivido nos últimos dias experiências intensas com relação a infância. Algumas revelam o poder da educação na vida das pessoas. O brilho no olhar. Outras demonstram o quanto ainda nos falta caminhar nesta Terra para podermos aprender a valorizarmos a nossa condição de seres humanos.

Mas gostaria de partilhar com vocês algumas experiências não tão alegres, pelo menos até agora. Estamos aqui justamente porque acreditamos que o rumo dessa história pode e deve ser diferente. O que tenho encontrado é desolador. Não é a carência física que assuta. O desamor é o que mais preocupa.Cheguei perto do que considero ser o olho do furacão. Perto do que gera desestrutura de personalidade: a falta de afeto.

Nesta semana mesmo, enquanto ouvia as queixas de uma mãe em relação à filha pude perceber o quanto as carências emocionais que trazemos da infância não se apagam. Ou o quanto temos que trabalhá-las dentro de nós para que o áspero se torne macio, para que a dor possa se transformar em força pra continuarmos vivendo buscando a felicidade. E pude ver nos olhos da mãe ao contar que a filha tem as bonecas que ela (mãe) nunca teve. Pude ver mesmo o olhar da criança que àquela mulher um dia foi diante de mim. Não era mais a mãe quem falava. Era ... uma criança.

Outro caso: Uma criança abandonada aos 4 meses de idade pela mãe. Hoje, aos 9 anos é espancada pelo pai e madrasta. Durante a manhã frequenta a escola, à tarde fica sozinha na companhia do irmão mais velho - também criança. Abandono . Não há nenhum adulto que a acolha. Comportamento oscilante. Reproduz na escola o que vive em casa.

Aos 9 anos já conhece o ódio e fala dele com muita propriedade.
Quando perguntada - Ódio de quem? De quem sentes ódio?
A resposta é mais surpreendente ainda: - De Deus que me deixa viver.

Desolador não é? Mas essa história é real e certamente não é a única em um país como o nosso que tem o descaso do poder público sempre rondando por perto.

A escola tem o dever de trabalhar com essa realidade valorizando conteúdos e experiências de vida que retratem o contexto sócio-histórico e cultural dessas crianças, mas, de modo a valorizar potencialidades, valores e principios sociais que devem ser resgatados, construídos ou mesmo desconstruídos pelos grupos. Não há receita. Apenas temos que ter consciencia que os pontos de partida e chegada no processo educacional deve ser a realidade do sujeito em questão.

É urgente que façamos uma revolução educacional, mas, para isso não temos que esperar os pilares da edcucação nacional ditarem por onde deveremos seguir, os passos que deveremos dar. A revolução deve começar JÁ, agora. Na sala dos professores, nos corredores, no refeitório, na formação continuada. Na sala de aula. Poderá ser um uma gota no oceano, mas, que seja MUDANÇA.

Não podemos ficar paralisados diante do descaso familiar, do abandono, da falta de estrutura, ou melhor dizendo paralisados diante da desestrutura generalisada e cada vez mais complexa das famílias. Alguém pode estar pensando agora, mas, a escola não tem obrigação de dar jeito nisso. A obrigação é da família em prover o sustento dos menores, posição da qual concordo plenamente, mas, a realidade é que milhares de crianças ainda contam com o lanche da escola para forar seu estômago. E aí? O que fazer diante dessa realidade concreta?

As respostas a essas questões podem ser encontradas no "currículo". O curriculo merece significativa atenção. Significativa atenção merecem a estrutura curricular dos cursos de formação de Pedagogia para que estejam em consonância com uma prática pedagógica fundamentada e em sintonia com uma educação popular legítima. Significativa atenção merecem as múltiplas realidades sociais existentes em nosso país. Prestar mais atenção e valorizar no cenário escolar a criança, seus desejos, medos, esperanças, sonhos ... e em uma infância que de repente, acaba.

A criança é uma pessoa, um ser humano que produz, que é capaz, que quer ser feliz, que tem os mesmos direitos do que aqueles que dormem acolhidos em um lar amoroso, com ternura e afeto.

O que estamos fazendo com as nossas crianças?